Discutindo o papel da escola no século XXI

 


Diante da sociedade informacional constituída no último século e da falta de interesse do alunado pelos conteúdos escolares, emerge a necessidade de se repensar as estratégias pedagógicas para que estejam afinadas com as conjunturas do mundo moderno, tanto tecnológicas como humanitárias, e para que satisfaçam as demandas dos alunos do século XXI. Assim, a tecnologia, bastante presente no dia a dia dos estudantes, pode ser uma aliada do processo de ensino-aprendizagem, possibilitando estratégias como a gamificação e o trabalho com imagens de maneira prática, facilitando a interatividade e promovendo o engajamento.    

Convém, portanto, pensar que o atual contexto social implica na percepção de que vivemos uma integração em sistemas de redes, com a emergência de um novo paradigma tecnológico baseado na informação. Esse novo paradigma, chamado por Castells de “informacional”, surgiu no último quarto do século XX como resultado das transformações tecnológicas computacionais, incidindo na formação de uma organização social específica, onde o processamento e a transmissão da informação tornaram-se aspectos basilares da produtividade e do poder e a competitividade dos agentes econômicos passou a depender de suas capacidades de gerar, processar e aplicar as informações baseadas em conhecimento.

 Castells destaca que esse paradigma informacional cresce continuamente em virtude de sua capacidade de criar uma linguagem digital comum, capaz de gerar, armazenar, processar e transmitir informações, estabelecendo assim uma ruptura nos padrões convencionais da economia, da sociedade e da cultura. Nessa sociedade em rede, o conhecimento e a informação deixaram de possuir um caráter central, ou seja, as tecnologias passaram a servir para agir sobre a informação, e não o contrário (a informação agir sobre a tecnologia, como nas duas primeiras Revoluções Industriais). Assim, conhecimento e informação se tornaram aplicáveis à geração de possibilidades para o processamento de informações, formando um ciclo entre a inovação e o uso da informação que se retroalimenta, aumentando o seu poder de forma intensa e inédita, de forma que quem domina a tecnologia mais avançada também domina o mundo. 

Ainda segundo Castells (2002), no paradigma informacional a tecnologia ganhou penetrabilidade social, uma vez que a informação é parte de toda a atividade humana. Dessa maneira, nossa existência individual e coletiva passou a ser moldada pela tecnologia digital e pela lógica de redes.  O autor destaca que tal penetrabilidade atingiu também os aspectos culturais e laborais da sociedade, exigindo dos trabalhadores novas formas de ser e habilidades, tais como maior adaptabilidade, flexibilidade e capacidade de comunicação em grupo para a realização de uma multiplicidade de tarefas interconectadas, isso porque as dinâmicas das grandes empresas também foram profundamente alteradas pelo novo paradigma, exigindo-lhes novas condutas para se manterem competitivas no mercado, tais como a adoção de contratos temporários, jornadas de trabalho flexíveis e remunerações baseadas em análises de desempenho.

De maneira geral, segundo Castells, o paradigma informacional gerou a deterioração das relações de trabalho, com a diminuição dos empregos de média e alta remuneração, a queda nos salários, o aumento da desigualdade e da instabilidade do emprego, a marginalização do trabalhador rural e o aumento da quantidade de subempregos. Os trabalhadores perderam suas identidades coletivas, individualizando-se em suas capacidades, interesses e obrigações.

Na esfera cultural, a sociedade se segmentou frente ao novo paradigma informacional, incidindo na reconstrução das redes sociais ao redor do indivíduo, com vínculos espaciais cada vez mais dispersos e vínculos online consideravelmente frágeis. As expressões culturais foram deslocadas de seus contextos geográfico e histórico para se tornarem mediadas pelas redes digitais, por meio da comunicação eletrônica.

Diante do contexto social de profundas mudanças acima descrito, é impossível ignorar as influências que as novas tecnologias digitais da informação e comunicação – TDICs - passaram a exercer sobre a escola e o público-alvo da Educação Básica. Perante isso, as escolas se veem diante da necessidade de desenvolverem habilidades autônomas de aprendizagem condizentes com o contexto informacional e de proporcionar o conhecimento e experiências que levem o estudante à reflexão crítica sobre a realidade, concebendo metodologias de ensino mais adequadas às crianças e aos adolescentes que já pertencem à geração dos “nativos digitais”, ou seja, a geração que já cresceu habituada ao novo contexto digital dos computadores, vídeo games e internet. Essa realidade se coloca, mesmo compreendendo que nem todos os sujeitos dessa geração podem estar conectados todo o tempo por questões de classe, mas entendemos que as TDICs fazem parte da vida desses jovens que convivem com o mundo digital e o tem como referência. Consequentemente, possuem um modelo de pensamento e processamento diverso das gerações anteriores, os imigrantes digitais (que engloba todos os que não nasceram no mundo digital, mas que em algum momento passaram a utilizar alguns recursos tecnológicos).

Os “nativos digitais” estão acostumados a receber informações de forma veloz e acabam por realizar múltiplas tarefas simultaneamente, desenvolvendo-as de forma mais adequada quando ligados a uma rede de contatos e preferindo o aprendizado lúdico. Como se percebe, as crianças e adolescentes de hoje, públicos-alvo da Educação Básica, são muito diferentes da geração de “imigrantes digitais”, que se caracteriza por realizar tarefas uma a uma e por privilegiar o ensino individualizado, em um ritmo mais lento e realizado com seriedade.

Quanto a nomeação adotada por Prensky, “nativos digitais”, para se referir àqueles que cresceram em contato próximo com a tecnologia, cabe apontar as advertências feitas por Leal quanto a necessidade de estabelecer distinções de características de personalidade importantes para melhor compreender os vários grupos que compõe a grande geração chamada por Prensky de “nativos digitais”, uma vez que usar indiscriminadamente o rótulo "nativos digitais" para se referir a uma "geração" pode escamotear diferenças sociológicas importantíssimas. Assim, segundo o autor, a geração de nascidos no início dos anos 1980 é diferente da geração dos nascidos nos anos 1990, que, consequentemente, também difere da geração nascida nos anos 2000. É como se tivesse ocorrido um encolhimento no intervalo entre uma geração e outra.

Este “encolhimento” do tempo na contemporaneidade é apontado por Eric Hobsbawn (1995) em seu livro a “Era dos Extremos: breve século XX (1914 – 1991)”, no qual indica que o século XX foi um dos menores séculos da história a medida em que teve como balizas temporais de início e fim eventos históricos de grande importância como a Primeira Guerra Mundial e a queda do sistema socialista, na União Soviética.

Diante dessa sociedade marcadamente informacional, tecnológica e digital, quanto a situação da educação nesse contexto, outro ponto que precisa ser ressaltado diz respeito a existência de uma diferença substancial entre a profunda imersão e vasta utilização das TICs pelos estudantes fora da escola e o uso pedagógico que dela se faz no ambiente escolar. Mesmo nas escolas em que a informática está presente, muitos docentes não a utilizam de maneira efetiva; por consequência, os computadores são utilizados como um meio que acaba em si mesmo. Assim, nota-se que existe um descompasso profundo, o que leva Prensky (2001, p. 6) a defender a necessidade de adotar novas abordagens para o ensino (“we need to invent Digital Native methodologies for all subjects, at all levels, using our students to guide us”). Essa necessidade vai ao encontro da ideia de Nóvoa, de que a “educação já não cabe no formato escolar do final do século XIX” e de Roldão, que postula que “[...] ensinar como sinónimo de transmitir um saber deixou de ser socialmente útil [...], num tempo de acesso alargado à informação e de estruturação das sociedades em torno do conhecimento enquanto capital global”. 

Diante desse panorama de profundas mudanças sociais, vê-se que a educação deve pensar em uma prática pedagógica que atenda as especificidades dos nativos digitais e as novas demandas sociais, pois, se não o fizer, deixará uma lacuna a ser preenchida por setores alheios à educação.

Para tanto, a escola e os professores são chamados a aprender a se comunicar na “língua” e “estilo” de seus estudantes. Para isso podem adotar estratégias pedagógicas adicionais, como o uso de conteúdos digitais e tecnológicos, como o uso de softwares, hardwares, robótica e nanotecnologia, sem excluir temáticas como a ética, a política, a sociologia, linguagens e os demais componentes do currículo escolar, assumindo, assim, a mutabilidade dos alunos e do próprio conhecimento e superando o formato de uma escola “adaptada a situações pretéritas”, englobando assim todas as formas de aprendizagem.


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